Ninguém sabia muito bem o que eram as túberas. Mas a curiosidade era muita. O programa Portugal dos Sabores levou chefs
e jornalistas brasileiros à procura da "trufa portuguesa" no meio do
Alentejo, guiados por duas especialistas com mais de meio século de
experiência.
Anaisa e Catarina Sousa estão habituadas à
paz dos campos alentejanos, onde, nesta época do ano, passam as tardes a
apanhar túberas. Mas na semana passada foi como se o circo tivesse
chegado à aldeia junto a Mértola - em poucos minutos as duas mulheres,
de 69 e 78 anos, estavam rodeadas de chefs e jornalistas portugueses e
brasileiros, que queriam saber tudo sobre as famosas túberas. São
realmente as trufas portuguesas? Como é que se comem? Como as costumam
cozinhar? Há quantos anos as apanham? São muito difíceis de encontrar?
Elas
iam respondendo a todas as perguntas, surpreendidas pelo interesse que
as túberas despertavam naquele grupo saído repentinamente de uma
camioneta vinda do Algarve. Contextualizando: os recém-chegados eram um
grupo de convidados do Portugal dos Sabores, uma iniciativa do Ano de
Portugal no Brasil, organizada pelo Turismo de Portugal. Vieram, para
uma volta que incluiu Lisboa, Algarve e Alentejo, os chefs
brasileiros Helena Rizzo e Daniel Redondo, do restaurante Maní, e o
japonês-brasileiro Tsuyoshi Murakami, do Kinoshita, ambos de São Paulo. E
ainda jornalistas da Folha de São Paulo, do jornal Globo, da revista Prazeres da Mesa e da Vogue brasileira.
O
mais entusiástico era, sem dúvida, Murakami. "Conta aí como se apanham
as túberas", pedia, filmando Catarina com o seu iPhone. "Que emoção."
Chegado ao local, o grupo rodeou as duas mulheres tentando perceber
exactamente o que era uma túbera. Os chefs portugueses José
Avillez e Luís Baena tentavam baixar um pouco as expectativas,
explicando que as túberas não são exactamente trufas - embora também se
apanhem debaixo da terra e tenham um aspecto semelhante ao das trufas,
têm bastante menos cheiro e sabor. E os outros portugueses presentes
frisavam, para que os visitantes brasileiros não ficassem com a
impressão errada, que, apesar de curioso, o fenómeno de apanha de trufas
não é uma prática assim tão comum em Portugal.
No entanto, nesta
zona alentejana, junto à aldeia de Corte da Velha, há muitos anos que,
chegada a época das túberas, mulheres como Anaisa e Catarina passam as
tardes nos campos à procura delas. Levam um pequeno sacho e procuram no
chão os sinais. A tarefa não tem nada de fácil. Os brasileiros pedem
dicas aos portugueses, mas estes estão igualmente desorientados. Só
mesmo as duas alentejanas é que sabem como encontrá-las. O truque é
procurar sinais de rachas no chão - quando eles existem é provável que
por baixo esteja uma túbera. Quando estas já estão bastante
desenvolvidas começam a fazer um alto na terra e a tentar rompê-la. Aí
são mais fáceis de encontrar.
Catarina não falha. Aponta um
pedaço de terra aparentemente igual a qualquer outro, e logo à volta
dela se junta a pequena multidão para assistir à descoberta. Ela enfia o
sacho na terra, escava ligeiramente e daí a pouco surge uma pontinha
branca, confirmando que ali há túbera. Várias mãos precipitam-se para
pegar no pequeno fungo, perceber a textura, cheirá-lo e, finalmente,
mordiscá-lo. Surgem diferentes opiniões. Os brasileiros mostram-se muito
interessados. Têm uma consistência que faz lembrar a da castanha, e um
sabor de fruto seco, discreto mas que perdura alguns segundos na boca.
Mas
o que são, afinal, as túberas? São um fungo, de forma arredondada mais
ou menos irregular, de interior branco e uma casca com pequenas escamas,
que se encontra sobretudo em zonas do Ribatejo e Alentejo onde haja
sobreiros, azinheiras ou oliveiras. Quanto mais avançado estiver o
processo de maturação, mais provável é que a túbera ganhe aroma.
As
que encontramos são pequenas, à excepção de uma. O dia não está famoso
para a apanha, provavelmente porque choveu e a terra abateu. Nos dias
anteriores, conta Catarina, encontraram-se imensas. Em dias bons, duas
tardes chegam para encherem um balde com um quilo de túberas, que vendem
a 20 euros. E têm compradores que vêm de Beja de propósito para o
petisco.
"Apanha mais para vender ou para comer?", pergunta
alguém. "Para vender, o que eu quero é vender", responde Catarina, rindo
sempre daquela curiosidade. As que não vende acabam na sua cozinha,
claro. Como ficam melhor é nos ovos mexidos, mas também as põe no arroz
ou no feijão.
É preciso é aproveitar esta época. "A altura da
túbera é Março, depois das chuvas, mas é só um mês ou 15 dias." Uns anos
há mais, outros menos, depende de andar ou não muita gente à procura e
das voltas que a terra levou. Mas Catarina tem uma perspectiva
filosófica sobre o assunto: "Ainda ninguém se fartou de muito. E a gente
com pouco também se governa."
Se, no grupo que aterrou naquele
dia em Corte da Velha, Murakami era o mais expansivo, Helena Rizzo, mais
discreta, foi, afinal, quem levou as túberas mais a sério. Disse logo
que queria experimentá-las num dos seus pratos, um ovo cozinhado a baixa
temperatura com creme de palmito pupunha. E quando o serviu, no dia
seguinte, no restaurante do hotel Vila Joya, no Algarve, o ovo vinha de
facto decorado com finas lascas de túbera, que introduziam um elemento
"mastigável" num prato feito à base de texturas muito suaves.
Não foram apenas túberas que os chefs
brasileiros viram durante esta breve passagem por Portugal. O programa
incluía também visitas para conhecer as ostras e os percebes do Algarve,
para além de contactos com chefs e idas a restaurantes. Mas as
túberas tiveram, sem dúvida, o seu momento de glória. E, depois de o
circo ter levantado a tenda e os animados visitantes terem regressado à
camioneta que os levaria ao Algarve, Anaisa e Catarina voltaram
calmamente para o seu campo, agora silencioso, procurando no chão os
sinais das túberas - esses sinais que se revelam apenas aos olhos que os
sabem ler.
Fonte: http://www.publico.pt/gastronomia/jornal/chefs-brasileiros-a-caca-de-tuberas-no-campo-alentejano-26189535
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